Para entendermos melhor uma gestão democrática é necessário observarmos o sentido da palavra democracia e sua origem. A palavra DEMOCRACIA vem do grego (demos, povo; kratos, poder) e significa poder do povo. Não quer dizer governo pelo povo. Pode estar no governo uma só pessoa, ou um grupo, e ainda tratar-se de uma democracia - desde que o poder, em última análise, seja do povo. O fundamental é que o povo escolha o indivíduo ou grupo que governa, e que controle como ele governa.
O grande exemplo de democracia, no mundo antigo, é Atenas, especialmente no século 5 a.C. A Grécia não era um país unificado, e portanto Atenas não era sua capital, o que se tornou no século 19. O mundo grego, ou helênico, se compunha de cidade independente.
Inicialmente eram governadas por reis - assim lemos em Homero. Mas com o tempo ocorre uma mudança significativa. O poder, que ficava dentro dos palácios, oculto aos súditos, passa à praça pública, vai para tó mésson, "o meio", o centro da aglomeração urbana. Adquire transparência, visibilidade. Assim começa a democracia: o poder, de misterioso, se torna público, como mostra Vernant. Em Atenas se concentrava esse novo modo de praticar - e pensar - o poder. Assim procura-se mostrar na escola procura-se uma democracia coerente que não se distancie do sentido palavra original.
Como a tendência de gestão democrática é vivida nas escolas e nos sistemas educacionais? Quais são as diferentes possibilidades de vivenciar processos de descentralização e autonomia nas escolas e nos sistemas? Que desafios precisam ser enfrentados, considerando uma tradição autoritária e centralizadora, comum em tantos países, dentre eles o Brasil? De que modo oportunizar a participação da comunidade educativa, a partir da diversidade dos diferentes atores sociais? Qual a relação entre democratização da escola e qualidade de ensino? O que se entende por gestão democrática na educação? Essas são algumas das preocupações que surgem quando se busca implementar processos de descentralização e autonomia no campo da educação.
A gestão democrática da educação formal está associada ao estabelecimento de mecanismos legais e institucionais e à organização de ações que desencadeiem a participação social: na formulação de políticas educacionais; no planejamento; na tomada de decisões; na definição do uso de recursos e necessidades de investimento; na execução das deliberações coletivas; nos momentos de avaliação da escola e da política educacional. Também a democratização do acesso e estratégias que garantam a permanência na escola, tendo como horizonte a universalização do ensino para toda a população, bem como o debate sobre a qualidade social dessa educação.
Esses processos devem garantir e mobilizar a presença dos diferentes atores envolvidos, que participam no nível dos sistemas de ensino e no nível da escola (Medeiros, 2003). Esta proposta está presente hoje em praticamente todos os discursos da reforma educacional no que se refere à gestão, constituindo um "novo senso comum", seja pelo reconhecimento da importância da educação na democratização, regulação e "progresso" da sociedade, seja pela necessidade de valorizar e considerar a diversidade do cenário social, ou ainda a necessidade de o Estado sobrecarregado (Barroso, 2000) "aliviar-se" de suas responsabilidades, transferindo poderes e funções para o nível local.
Em nível prático, encontramos diferentes vivências dessa proposta, como a introdução de modelos de administração empresariais, ou processos que respeitam a especificidade da educação enquanto política social, buscando a transformação da sociedade e da escola, através da participação e construção da autonomia e da cidadania. Falar em gestão democrática nos remete, portanto, quase que imediatamente a pensar em autonomia e participação. O que podemos dizer sobre esses dois conceitos, já que há diferentes possibilidades de compreendê-los?
Pensar a autonomia é uma tarefa que se apresenta de forma complexa, pois se pode crer na idéia de liberdade total ou independência, quando temos de considerar os diferentes agentes sociais e as muitas interfaces e interdependências que fazem parte da organização educacional. Por isso, deve ser muito bem trabalhada, a fim de equacionar a possibilidade de direcionamento camuflado das decisões, ou a desarticulação total entre as diferentes esferas, ou o domínio de um determinado grupo, ou, ainda, a desconsideração das questões mais amplas que envolvem a escola.
Um outro conceito importante é o da participação, pois também pode ter muitos significados, além de poder ser exercida em diferentes níveis. Podemos pensar a participação em todos os momentos do planejamento da escola, de execução e de avaliação, ou pensar que participação pudesse ser apenas convidar a comunidade para eventos ou para contribuir na manutenção e conservação do espaço físico.
Portanto, as conhecidas perguntas sobre "quem participa?", "como participa?", "no que participa?", "qual a importância das decisões tomadas?" devem estar presentes nas agendas de discussão da gestão na escola e nos espaços de definição da política educacional de um município, do estado ou do país.
Quais são os instrumentos e práticas que organizam a vivência da gestão escolar? Em geral, esses processos mesclam democracia representativa - instrumentos e instâncias formais que pressupõem a eleição de representantes, com democracia participativa - estabelecimento de estratégias e fóruns de participação direta, articulados e dando fundamento a essas representações.
Alguns autores, como Padilha (1998) e Dourado (2000), defendem a eleição de diretores de escola e a constituição de conselhos escolares como formas mais democráticas de gestão. Outro elemento indispensável é a descentralização financeira, na qual o governo, nas suas diferentes esferas, repassa para as unidades de ensino recursos públicos a serem gerenciados conforme as deliberações de cada comunidade escolar. Estes aspectos estarão conformados na legislação local, nos regimentos escolares e regimentos internos dos órgãos da própria escola, como o Conselho Escolar e a ampla Assembléia da Comunidade Escolar.
Para funcionar em uma perspectiva democrática, segundo Ciseki (1998), os Conselhos, de composição partidária, devem respaldar-se em uma prática participativa de todos os segmentos escolares (pais, professores, alunos, funcionários). Para tal, é importante que todos tenham acesso às informações relevantes para a tomada de decisões e que haja transparência nas negociações entre os representantes dos interesses, muitas vezes legitimamente conflitantes, dos diferentes segmentos da comunidade escolar. Os conselhos e assembléias escolares devem ter funções deliberativas, consultivas e fiscalizadoras, de modo que possam dirigir e avaliar todo o processo de gestão escolar, e não apenas funcionar como instância de consulta.
Em seu projeto político-pedagógico, construído através do planejamento participativo, desde os momentos de diagnóstico, passando pelo estabelecimento de diretrizes, objetivos e metas, execução e avaliação, a escola pode desenvolver projetos específicos de interesse da comunidade escolar, que devem ser sistematicamente avaliados e revitalizados. A gestão democrática da escola significa, portanto, a conjunção entre instrumentos formais - eleição de direção, conselho escolar, descentralização financeira - e práticas efetivas de participação, que conferem a cada escola sua singularidade, articuladas em um sistema de ensino que igualmente promova a participação nas políticas educacionais mais amplas, esperando que através disto tenha-se uma escola mais participativa, menos autoritária e mais democrática.
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